Falar em público e o caminhar da humanidade
A princípio, o homem viu-se diante de uma natureza ameaçadora, e embora não se possa afirmar quais foram as verdadeiras condições da vida humana nos seus primórdios, podemos presumir que a luta foi grandiosa para vencer os fenômenos naturais, num desafio constante. A condição de fragilidade certamente fez com que o homem percebesse que o viver em grupo tornariam maiores as chances de sobrevivência e bem-estar, estabelecendo assim um rudimentar sistema grupal; com isto, surge também a necessidade e o esforço para estabelecer a comunicação com o outro, tornando comum os seus pensamentos, sentimentos e experiências, e é certo que para a perpetuidade da vida em sociedade, a palavra foi o poderoso instrumento de expressão.
Com a palavra surge a eloquência, a capacidade de falar e expressar-se com desenvoltura, e nos tempos remotos, assim como nos atuais, nem todos os homens tinham esse poder persuasivo. Eloquentes foram e são, precisamente aqueles que se destacaram no uso primaz da palavra e com facilidade apresentam suas ideias e convicções.
Com o caminhar da humanidade, o bom uso da palavra, a eloquência, assumiu o caráter de verdadeira arte, contudo toda arte requer ciência, vontade, esforço, trabalho, ou seja, é uma questão de aprendizagem e desenvolvimento.
Alguns nascem com maior dificuldade, outros com maior facilidade na arte do bem falar, porém não se pode contar apenas com essa superioridade natural, como diz o grande orador romano Cícero – “a oratória requer muita variedade de ciência e de estudos”, o dom da eloquência é uma pedra bruta que precisa ser desbastada.
A eloquência é filha da humanidade, e evoluiu com ela, surgiram as aspirações e ampliaram-se os costumes, pequenas famílias tornaram-se grande famílias, pequenas tribos tornaram-se grandes tribos, pequenas sociedades tornaram-se grandes sociedades. Assim vieram a prosperidade e a civilização, nasceram e prosperam os Estados, e com eles, fez-se ainda maior a necessidade da capacidade de bem usar a palavra, levar a eloquência ao auge.
A arte da palavra alcança uma grandeza imensurável no mundo helênico, em Atenas, onde floresceram todos os gêneros oratórios. Ao lado da eloquência política, que desempenhou um papel de relevo excepcional, também a eloquência judiciária chegou ali, a um ponto culminante. E a eloquência militar? Esta, foi certamente a que se desenvolveu primeiro, em toda a Grécia.
O mundo antigo era uma arena de guerra, em que as nações lutavam em busca da glória, do poder e da supremacia, condição necessária para o progresso e desenvolvimento dos povos. “Grécia florescia em meio das mais cruéis guerras”, escreve Rousseau, os gregos amavam a guerra, contudo também sabiam amar a eloquência, pois para o êxito dos combates, a palavra nunca deixou de ser um instrumento indispensável – tão poderoso quanto a espada.
Na realidade todos os guerreiros homéricos, foram grandes oradores, encontraremos na Ilíada os seguintes versos: “Os deuses não concedem a todos os homens seus amáveis dons, as prendas do corpo, a sabedoria e a eloquência; a quem tenha um exterior mesquinho, porém, um deus cora de beleza as suas palavras; à sua vista fica maravilhado o povo; expressa-se com segurança, doçura e modéstia; domina a assembleia; se passa pela cidade todos o contempla com uma divindade”. E na Odisseia é o próprio Odisseu, príncipe de grande sabedoria, quem declara ao filho de Aquiles: “Na escola da vida aprendi eu que a palavra e não a ação governa o mundo em toda a parte”.
Os atenienses acreditavam que um homem apenas se elevaria e honraria a sua espécie, cultuando a palavra.
Interpretando o conceito do seu povo, Aristóteles dizia: “Se é lamentável não saber defender-se com o corpo, mais lamentável, ainda, é não saber defender-se com a palavra, expressão do exclusivamente humano”.
O mundo romano também testemunhou a grandeza do bom uso da palavra, a eloquência, é como podemos perceber nas palavras do historiador e político romano Tácito, quando diz: “Ser avaliado por eloquente era honra e glória; ser tido por mudo ou incapaz de falar, era vergonha”. Assim pois, que os oradores romanos, como os gregos, dedicavam-se a arte da palavra, vendo nela o triunfo e a glória.
Após o período áureo em Atenas e de esplendor em Roma, nos dez séculos posteriores, a que chamamos de Idade Média, a eloquência fica restrita ao mundo eclesiástico, a fala pública direcionada a política, praticamente desaparece. Contudo, o catolicismo mantém o seu domínio também pela força da palavra.
A fala pública volta a reflorescer no período Renascentista, um novo momento de reivindicações e de criações formidáveis, ressurgindo a eloquência política, e Florença, o Estado que, por seu magnífico desenvolvimento cultural e artístico adquiriu o status equivalente ao de Atenas na antiguidade.
Vamos encontrar sempre como principais personagens dos movimentos da história humana, grandes oradores, eles surgiram espontaneamente nos momentos importantes da história da França, dos Estados Unidos, de Portugal, da África do Sul, da Inglaterra, da história brasileira e tantas outras nações, e continuarão aparecendo em todos os instantes culminantes da história do mundo, pois, assim como é impossível realizar as guerras sem espadas, é impossível também realizar grandes mudanças e progresso sem oradores.
Como diz o escritor Hélio Sodré – a eloquência política brilha, fascina, esplende, quando são grandes os interesses que ela defende, quando esses interesses requerem decisões prontas e são debatidos, livremente, pelas, várias correntes de opinião.
Nos momentos propícios, ou sejam, naqueles momentos em que se torna preciso impor uma ideia, arrancar uma decisão coletiva, tornar vitoriosa uma revolução – nesses momentos a eloquência aparece sempre, espontaneamente, ofuscando, pelos efeitos imediatos, todas as demais artes.
Praticamente todo tipo de atuação em sociedade no mundo contemporâneo, está ligada a fala humana, as maiores conquistas da humanidade, em grande parte, são obras daqueles que tem a habilidade de expor ideias, dos oradores, e o mundo dos negócios, não utiliza da espada, faz uso da caneta, contudo, não abre mão da eloquência como a grande ferramenta.
Qualquer ser humano que tenha de lidar com outras pessoas, em qualquer contexto da vida, sempre estará fazendo uso da arte da palavra.